Líder da Câmara pode retardar e acelerar o funcionamento do plenário e das comissões da Casa conforme seus interesses
A tentativa de cassar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por meio de um processo no Conselho de Ética começou em 13 de outubro, 50 dias antes de ele aceitar um pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, em 2 de dezembro – dando início ao trâmite que pode culminar na derrubada do governo petista.
Apesar disso, a presidente corre risco real de ser afastada do cargo antes de o julgamento de Cunha ser concluído.
O ritmo de análise dos dois procedimentos tem variado em grande parte devido aos interesses do presidente da Câmara, cujo cargo lhe confere poder de acelerar ou retardar o funcionamento do plenário e das comissões da Casa – apontam parlamentares tanto da base governista como de partidos independentes.
Diante disso, muitos têm questionado a legitimidade de Cunha para conduzir o processo contra Dilma.
“Um deputado que é réu (em processo no Supremo Tribunal Federal) é isento para conduzir o processo de impeachment da presidente? Eu acho que não”, disse o deputado José Carlos Araújo (PR-BA), presidente do Conselho de Ética da Câmara.
Após adotar medidas que atrasaram a instalação da comissão especial de impeachment, o presidente da Câmara agora trabalha para acelerar seu funcionamento, convocando sessões plenárias também às segundas e sextas-feiras – o que é incomum no Congresso, que em geral funciona de terça a quinta.
O objetivo é apressar os prazos para a apresentação da defesa da presidente (dez sessões plenárias) e para a comissão especial de impeachment votar seu parecer (cinco sessões). A expectativa da oposição é que essas duas etapas sejam concluídas na segunda semana de abril.
Em seguida, o parecer será submetido ao plenário, que avaliará se aprova a abertura de um processo contra a presidente no Senado.
Está em discussão proposta do líder do Solidariedade, Paulo Pereira, o Paulinho da Força, de realizar essa votação no domingo, 17 de abril, com objetivo de atrair manifestantes contra o governo para a frente do Congresso.
Se mais de dois terços dos deputados votarem pela abertura de um processo de impeachment, tal decisão ainda terá que passar pelo crivo da maioria dos senadores. Se uma eventual decisão nesse sentido passar nas duas Casas, Dilma fica automaticamente afastada do cargo enquanto é julgada pelo Senado.
O processo contra Cunha foi aberto em 2 de março, após sucessivos recursos de aliados do presidente da Câmara terem protelado a decisão do conselho.
Para alguns parlamentares, a atuação inicial de Cunha no sentido de atrasar a instalação da comissão de impeachment teve como objetivo tirar o foco dos trabalhos no Conselho de Ética. Ele poderia ter instalado a comissão especial de impeachment no início de fevereiro, mas preferiu recorrer da decisão do STF que definiu em dezembro o rito de impeachment – como esperado, os recursos não foram aceitos.
“Ele (Cunha) não estava preocupado com o futuro do país, com a economia. Quis acirrar os ânimos para sair da vitrine”, criticou o deputado Julio Delgado (PSB-MG).
Apoio da oposição?
O líder do PSOL, deputado Chico Alencar, por sua vez, acusa a oposição de ter apoiado essa estratégia: “O importante para eles é protelar (o processo do Cunha) até resolver o caso da Dilma aqui na Câmara. Eles priorizaram. A questão principal é derrubar a Dilma, e Cunha é o fiador da celeridade dos trabalhos da comissão especial e da apreciação (do impeachment) em plenário”.
Deputados de oposição reagem às acusações. O líder do DEM, Pauderney Avelino, diz que seu partido mantém posição pelo afastamento de Cunha.
“Nós temos que abordar uma coisa de cada vez. Independentemente do Cunha, o processo de impeachment anda. O Cunha não tem mais nada a ver com o processo de impeachment, a questão hoje é institucional”, afirmou.
“O processo dele caminha em paralelo ao de impeachment da presidente, e eu não vejo nenhuma dificuldade nisso. O primeiro que chegar ao plenário vai ser votado”, acrescentou.
Um dos principais aliados de Cunha, Paulinho da Força disse que o rito do impeachment e o funcionamento do Conselho de Ética são coisas diferentes.
“No caso da comissão do impeachment, o rito foi determinado pelo Supremo. Então você tem uma regra bem definida. No caso do Eduardo Cunha, o que acontece é que o presidente do Conselho de Ética comete uma série de irregularidades, não cumprindo o regimento da Casa e, consequentemente, o processo acaba voltando (ao início, devido aos recursos que questionaram essas supostas irregularidades)”, disse Paulinho.
O problema é que parte desses recursos foi julgada por aliados de Cunha que ocupam cargos na Mesa Diretora da Câmara. Araújo, o presidente do Conselho, nega que tenha desrespeitado o regimento.
“Na fase inicial, que avaliou a admissibilidade (da denúncia contra Cunha), usaram tudo o que podiam e não podiam para retardar. Foram eles (os aliados de Cunha) que retardaram”, disse o presidente do conselho.
Próximos passos
O processo contra Cunha que corre no Conselho de Ética pede sua cassação pois ele teria mentido na CPI da Petrobras, quando foi questionado sobre se possuía contas no exterior.
Dados repassados pela Suíça à Procuradoria-Geral da República no ano passado revelaram milhões de dólares em contas naquele país ligadas ao presidente da Câmara.
Cunha apresentou na segunda-feira sua defesa. Ele tem dito que não é dono das contas, mas apenas beneficiário dos recursos.
Após a apresentação de sua defesa, começou a correr o prazo de 40 dias úteis para o conselho levantar provas e ouvir testemunhas. Cunha apontou oito pessoas para serem ouvidas, sendo dois advogados seus na Suíça.
Depois disso, haverá mais dez dias para o relator do processo, deputado Marcos Rogério (DEM-RO), apresentar seu relatório. Aliados de Cunha trabalham para que o conselho adote uma punição mais branda do que a recomendação de cassação.
Os deputados ouvidos pela BBC Brasil dizem acreditar que o risco de Cunha conseguir protelar a conclusão do processo agora seja menor.
“Tudo é possível. Onde puderem fazer questionamento, eles (aliados de Cunha) farão. Mas acho que o potencial de retardamento está no fim”, disse Alencar, do PSOL.
“Agora o processo do Cunha deve correr tranquilamente no Conselho de Ética. O julgamento deve ser por volta do mês de junho ou julho”, afirmou Paulinho da Força.
STF
Paralelamente ao processo no Conselho de Ética, Cunha enfrenta ações no STF.
No início do mês, ele se tornou réu em um processo criminal, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, dentro do esquema de corrupção da Petrobras.
Há ainda outros dois inquéritos contra ele na Operação Lava Jato que podem resultar em outras ações.
Além disso, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, solicitou em dezembro que o Supremo determine o afastamento de Cunha da Câmara dos Deputados sob o argumento de que ele usa o mandato para atrapalhar investigações contra si. No entanto, não há previsão de quando o STF analisará esse pedido.
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