Para impor ao PT uma derrota arrasadora, as elites brasileiras fizeram terra arrasada das instituições políticas
Com a deposição de Dilma Rousseff, a democracia
brasileira corre um dos mais graves riscos de sua história. O que é dizer muito, considerando quão acidentada foi ela.
As elites nacionais nunca tiveram apreço genuíno pela democracia. Sempre pareceu a seus intelectuais uma planta exótica, mal adaptada ao nosso clima. Diziam que era uma “ilusão”, que podia funcionar no Hemisfério Norte, onde seria natural para uma população branca e europeia, mas que nunca daria certo por aqui. Para eles, o Brasil não nascera para ser uma sociedade democrática.
Atravessamos os primeiros cem anos de vida republicana aos trancos e barrancos, indo de uma ditadura a outra, com breves intervalos de democracia controlada e limitada. Em matéria de instituições democráticas, estávamos léguas atrás de muitos de nossos vizinhos latino-americanos.
Em todos os retrocessos, recuos e interrupções que experimentamos, nunca havíamos, no entanto, chegado ao ponto em que estamos. Nenhuma das rupturas anteriores criara um vazio no centro do sistema político.
O que as elites, em especial o capital financeiro e os oligopólios de comunicação, fizeram foi um despropósito. Com o intuito de derrotar o PT e evitar que continuasse na Presidência com a provável vitória de Lula em 2018, terminaram por fazer terra arrasada das instituições políticas.
Aliaram-se ao que de pior havia no Congresso, para que paralisasse o governo com suas pautas-bomba, e exacerbaram a crise de imagem do Legislativo. Incensaram os franco-atiradores do Judiciário e encorajaram a sedição de pedaços do aparelho repressor do Estado, levando à subversão da segurança jurídica. Convocaram as parcelas mais reacionárias da sociedade para ir às ruas externar seu ódio, amplificando divisões e conflitos. Mandaram para o espaço a respeitabilidade da imprensa.
Achavam-se capazes de uma intervenção “cirúrgica”, dirigida apenas contra seus alvos, mas atingiram o sistema político como um todo. As instituições, suas regras e o conjunto de seus integrantes foram jogados na vala comum do descrédito. Nada e ninguém se salva, nada presta, a não ser o paladino da vez.
Mesmo para uma liderança autêntica, seria difícil enfrentar adequadamente um cenário como esse. O que esperar, então, de um personagem da envergadura de Michel Temer?
Ele é uma resposta tão pequena diante de uma situação tão complicada que apenas explicita o vazio político que vivemos. É o menor presidente de nossa história, o que menos respaldo tem na opinião pública, o mais refém dos esquemas que o levaram ao cargo. O que mais medo tem de ser vaiado quando sai do palácio.
A mesma coalizão que o inventou o encabrestou um dia após a posse como interino, para que não caísse na ilusão de que mandaria. Usando da ferramenta por excelência dos tempos atuais, uma “delação” (que depois desapareceu do noticiário), fizeram com que logo percebesse os estreitos limites de sua área de manobra. No caso da política econômica, que seu papel era ficar calado.
É errado imaginar que essa é a sina de todo vice que assume a seguir a um impeachment. O caso de Itamar Franco mostra que não.
Na nomeação do ministro da Fazenda, Itamar revelou-se presidente desde o primeiro momento, muito antes da posse definitiva. Indicou quem achou que devia e o substituiu quando houve por bem, dois meses depois. O primeiro era um político pernambucano, famoso pelos frevos e a boa conversa. O segundo um técnico mineiro, com uma correta carreira no serviço público.
Não se discute se foram bons ou maus ministros. O relevante é que quem os escolheu tinha autoridade para tal, não se submetendo às determinações de ninguém. Itamar não perguntou à TV Globo se podia nomear fulano ou sicrano. Não teve de terceirizar a política econômica, transferindo o comando para o “mercado”.
O desgaste dos mecanismos de representação, que vem sendo acelerado há três anos, e a fragilidade de Temer, seja para as funções de chefe de governo, seja para as de chefe de Estado, criam um vazio no centro do sistema político. Sem alguém para lhe dar direção, ele desorganiza-se.
Pode-se gostar ou não de um presidente, aprovar ou reprovar suas políticas. O que não existe na democracia é um vácuo de chefia legítima, onde grupos de interesse e milícias do setor público fazem o que querem. Onde quem tem força manda.
Marcos Coimbra/Agência Brasil