Alvo de críticas sobre desinformação e disseminação de dados falsos, o WhatsApp não pretende fazer novas alterações ligadas a mensagens encaminhadas ou à criação de grupos na reta final das eleições brasileiras.
Um porta-voz da sede da companhia na Califórnia disse por telefone que a empresa “não tem planos” de repetir a restrição de encaminhamento de mensagens para até cinco pessoas ou grupos implementada na Índia. Desde junho, brasileiros podem encaminhar mensagens para até 20 contatos – antes, o total poderia chegar a 250.
O WhatsApp também não pretende reduzir o número de grupos que possam ser criados por um mesmo usuário da plataforma, nem a quantidade de pessoas participando de um mesmo grupo.
Demandas como estas foram feitas nesta semana por pesquisadores e organizações que estudam ambientes digitais no Brasil, na tentativa de conter o volume de mensagens falsas interferindo nas eleições – que se espalham principalmente pelo WhatsApp.
Além da busca por um “equilíbrio entre o que é liberdade de expressão e o que é violação de regras” e o “feedback dos usuários” sobre atualizações, a ausência de mudanças às vésperas do segundo turno também seria “impossível” motivos técnicos, segundo a empresa.
O processo completo para que qualquer atualização chegue aos usuários da ferramenta “leva meses” e depende de uma série de testes, de acordo com o porta-voz.
“Primeiro, para qualquer mudança, fazemos testes em pequena escala para testar a estabilidade. Depois, colocamos as alterações no aplicativo público, mas isso é feito lenta e gradativamente, porque temos 1,5 bilhão de usuários. Depois disso, os usuários precisam atualizar a versão do aplicativo em seus celulares para que as novas ferramentas apareçam. Então, o processo leva meses”, afirmou o porta-voz, uma das pessoas autorizadas em falar em nome da empresa.
“O limite criado na Índia foi um teste. Os usuários naquele país não ficaram satisfeitos com a mudança. Nós olhamos constantemente o ‘feedback’ dos usuários sobre as nossas ferramentas para decidirmos o que vamos ou não implementar. Isso não é algo que estejamos pensando em implementar no Brasil e seria tecnicamente impossível fazê-lo a uma semana das eleições”, disse o porta-voz do WhatsApp à reportagem.
A empresa se reuniu “por aproximadamente 3 horas” com membros do Tribunal Superior Eleitoral nesta semana para discutir o avanço de mensagens falsas ou difamatórias pelo aplicativo de mensagens. No encontro, segundo o porta-voz, executivos recomendaram que o TSE utilize a versão empresarial do aplicativo para se comunicar com eleitores e esclarecer boatos.
Empresa diz ter banido ‘centenas de milhares’ de contas
À BBC News Brasil, o WhatsApp afirma que baniu “centenas de milhares de contas somente no período eleitoral” no Brasil (a empresa não fornece números exatos).
Nos meses que antecederam o processo eleitoral, segundo o porta-voz, além das mudanças em grupos e mensagens encaminhadas, houve um investimento em ferramentas de detecção de comportamento suspeito de usuários, como o volume de mensagens enviadas, a repetição de conteúdos, discursos de ódio ou ofensas e quantas vezes este usuário foi excluído ou bloqueado por interlocutores.
“São algoritmos inteligentes que vão percebendo padrões e melhoram com o tempo”, diz o porta-voz.
Segundo ele, 9 entre cada 10 mensagens do WhatsApp são trocadas de pessoa para pessoa, fora de grupos. O tamanho médio dos grupos no aplicativo é de 6 pessoas. “E, no Brasil, esta média é ainda menor”, diz o porta-voz, que não divulgou a quantidade exata.
Nesta quinta-feira, o jornal Folha de S. Paulo divulgou reportagem que aponta que empresas estariam comprando pacotes de disparos em massa de mensagens contra o PT no WhatsApp, em contratos que chegariam a R$ 12 milhões.
Uma das ferramentas, segundo o jornal, seria o uso de números estrangeiros para escapar de filtros de spam e das restrições ao encaminhamento automático de mensagens.
“Este é um dos sinais que usamos para determinar atividades suspeitas. Nossa ferramenta identifica o telefone e o código de área e cruza isso com as outras informações. Não tenho números exatos, mas tenho certeza de que entre as centenas de milhares de usuários banidos nas eleições brasileiras há, sim, números internacionais”, diz a porta-voz.
A companhia deu início a uma investigação interna sobre as empresas supostamente envolvidas no envio de mensagens favoráveis à candidatura de Jair Bolsonaro (PSL).
“Nosso time está investigando algumas dessas contas. Nós não temos comentários sobre isso neste momento”, diz a porta-voz. “Mas esse é exatamente o tipo de conta que as nossas ferramentas foram feitas para identificar.”
A empresa também informou que “não estão nos planos” mudanças ligadas ao número de grupos que podem ser criados por usuário (hoje são 9.999) e o número de grupos de que cada usuário pode ser membro (hoje ilimitado).
A reportagem pergunta se WhatsApp consegue detectar quando um usuário banido da ferramenta cria um novo perfil com um novo número.
“Infelizmente, não é possível identificar isso.”
Especialistas propõem mudanças
As respostas sobre mudanças na ferramenta frustram parte das propostas feitas por acadêmicos e organizações não-governamentais brasileiras para a contenção de notícias falsas em grupos do WhatsApp às vésperas da eleição.
Em artigo de opinião publicado no último dia 16 de outubro no jornal The New York Times, os professores Fabrício Benevenuto (UFMG) e Pablo Ortellado (USP) e a diretora da agência de checagem de fatos Lupa, Cristina Tardáguila, pediram que o WhatsApp seguisse o modelo implantado na Índia de reenvio de mensagens a até 5 contatos.
Principal mercado do WhatsApp, com 200 milhões de usuários, a Índia foi alvo das restrições após usuários falsamente identificados em mensagens no aplicativo como sequestradoras de crianças terem sido linchadas por grupos de até 30 pessoas.
Os especialistas brasileiros pediam ainda que a empresa limitasse a quantidade de membros em grupos criados durante o período eleitoral e o volume de mensagens encaminhadas por usuário.
“Os brasileiros não devem votar com base em informações falsas ou distorcidas”, disseram os brasileiros no artigo publicado no jornal americano.
“Nenhuma de nossas propostas exigiria que o WhatsApp limitasse suas operações ou impedisse a capacidade dos brasileiros de se comunicar com amigos e familiares. Estamos sugerindo apenas que a empresa imponha temporariamente algumas restrições para impedir a disseminação de notícias falsas e rumores perigosos antes de uma eleição crítica.”
Em carta enviada ao WhatsApp no último dia 16, a ONG Safer Net, que defende os direitos humanos em ambintes digitais, sugeriu também que o número de grupos que podem ser criados por usuário da rede caia de 9.999 para 499, como forma de limitar “comportamentos automáticos”, reduzir o número de grupos a que cada usuário pode estar inscrito (não há limites hoje em dia) e remover a opção de encaminhamento de vídeos e mensagens de áudio durante o período eleitoral.
À reportagem, o WhatsApp disse ainda que lançou recentemente uma campanha de educação de usuários no Brasil sobre a importância do consumo de informações legítimas e que financia organizações de checagem de dados.
A empresa ainda prepara a distribuição de bolsas de estudos para pesquisadores que estudem os impactos do mal uso de ferramentas de mensagens instantâneas.
Fonte: BBC News