Caso é tratado como homicídio culposo, quando não há intenção de matar. Acidente foi em junho do ano passado; na época, universidade informou que dava apoio às investigações.
O Ministério Público denunciou três professores, um tratorista e uma funcionária da Universidade Federal de Goiás (UFG) pela morte do estudante Lucas Silva Mariano, em 24 de junho de 2017, em uma máquina de preparar ração. O caso é tratado como homicídio culposo – quando não há intenção de matar.
Testemunhas contaram que o rapaz, que tinha 21 anos na época, estava dentro da máquina em uma atividade do curso de veterinária quando o acidente aconteceu. Ele foi prensado pelas engrenagens do misturador de ração. Na época, a UFG informou que dava apoio às investigações.
A denúncia, assinada pelo promotor de Justiça Vilanir de Alencar Camapum Júnior, é contra
- o tratorista Lucas de Sousa
- o professor universitário Juliano José Rezende Fernandes
- o professor universitário Vitor Rezende Moreira Couto
- o diretor da faculdade, Marcos Barcellos Café
- a gestora do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (Siass), Edinamar Aparecida Santos da Silva.
A reportagem buscou os denunciados em redes sociais e por telefones disponibilizados pelo site da Escola de Veterinária e Zootecnia da UFG, sem sucesso.
Além disso, o G1 procurou a universidade, questionando sobre uma eventual investigação interna a respeito, o atual vínculo dos cinco com a instituição e possível apoio na defesa. Em nota, a instituição disse apenas que não irá se manifestar sobre o caso. “A UFG não foi notificada e não conhece o teor da denúncia.”
Aula
Estudantes de agronomia, zootecnia e medicina veterinária participavam de aula prática para confecção de ração no setor de confinamento. Eles foram divididos pelo tratorista Lucas de Sousa em duas equipes para realizar as tarefas. Uma delas era formada por Lucas Mariano e outros dois alunos, além do próprio tratorista.
De acordo com o MP, o grupo deveria preparar quatro tipos diferentes de ração, sendo que o procedimento exigia três fases – a realizada no volumoso, que consiste em colocar o bagaço de cana dentro do vagão misturador; levar o equipamento até a área do galpão para que fossem acrescentadas sacas de concentrado à mistura; e levar o vagão até a caixa d’água para que o produto fosse acrescido à substância.
Ainda segundo o MP, o primeiro trato começou às 13h30, quando o tratorista e um aluno entregavam os balaios de bagaço para a vítima, que havia subido no vagão e estava sobre as travessas da esteira misturadora para, dali, despejar os balaios dentro do vagão. A máquina, conforme constatado, era bastante alta. Para acessar a parte superior, era preciso usar uma escada, como fez o estudante.
O promotor afirma que, então, a vítima desceu do equipamento, e a equipe foi para o galpão dos concentrados para a segunda etapa da operação. Lucas teria novamente ficado em cima das travessas da máquina para ajudar no abastecimento do concentrado, que consistia em despejar sacas de 40 kg dentro do vagão.
Neste momento, o tratorista afirma que o aluno pediu para ficar dentro do equipamento, com receio de cair da esteira e, de dentro, auxiliou no abastecimento do restante do concentrado.
“Assim, com o consentimento do tratorista, o estudante entrou no vagão pela primeira vez naquele dia. O promotor esclarece que, para realizar a tarefa, era feita uma pilha de paletes ao lado do vagão, onde um aluno subia e de onde ele recebia os sacos de concentrado e repassava para a vítima, que estava dentro”, diz o MP.
“Na sequência, Lucas Mariano saiu e o tratorista conduziu a máquina até a caixa d’água para finalizar o processo. Ali, a vítima colocou uma mangueira de água no vagão, aguardando a balança se estabilizar, o que demora em torno de 15 segundos. O tratorista ligou a tomada de força, começando o despejo de água e a mistura dos ingredientes, para posterior distribuição aos animais”, completa o Ministério Público.
O acidente
Ainda de acordo com o MP, quando o grupo iniciou a preparação do segundo tipo de ração, o trator foi deslocado para a área do volumoso para colocar o bagaço da cana dentro do misturador. Desta vez, a vítima teria entrado no vagão desde a primeira fase. Concluída a etapa, o estudante pegou carona dentro da máquina até o galpão do concentrado, não acompanhando um dos seus colegas, que foi a pé.
O MP afirma que, já no galpão de concentrado, de dentro do vagão, onde ele já estava, Lucas despejou os sacos de 40 kg que lhe eram repassados. Ao terminar, o tratorista disse para Lucas que ele poderia descer da máquina. Então, ele se virou para o lado oposto, em direção à escada.
Nesse meio tempo, o professor Victor teria chegado o local e tratado de assuntos de trabalho. “O tratorista, então, ligou a máquina e a levou junto com o vagão para a caixa d’água, convicto que não havia ninguém dentro dela”, aponta a denúncia.
Lucas, porém, não tinha descido e, mais uma vez, pegou carona dentro do vagão. Ao chegar, o tratorista aguardou os 15 segundos para estabilização da balança e, em seguida, ligou a tomada de força, dando início ao funcionamento das lâminas do misturador.
Nesse instante, uma aluna gritou que Lucas Mariano estava dentro do misturador. Quando o tratorista desligou a máquina e subiu no vagão para tentar socorrer a vítima, ela já não tinha mais pulso.
Conduta de cada denunciado
Em relação ao tratorista Lucas de Sousa, o promotor diz que ele confessou que havia recomendação do professor Juliano para acionar as máquinas depois de verificar se não havia ninguém dentro do vagão. Além disso, sabia da conduta arriscada dos alunos e permitia que eles entrassem no vagão, como foi o caso da vítima.
Para o MP, ele foi negligente no cumprimento da medida de segurança que poderia ter evitado a acidente, tornando-se um dos responsáveis pela morte de Lucas Mariano.
Em relação aos professores, o MP afirma que se baseia na fala do tratorista e dealunos, que dizem que o serviço seria muito mais difícil e de pior qualidade se eles não entrassem no misturador. Entre os motivos está que o vagão era muito alto e também para esparramar a ração.
“Foi revelado ainda que a opção de não entrar no vagão levava os alunos a adotarem condutas arriscadas como aconteceu com a vítima, quando ela estava equilibrando-se sobre as lâminas do misturador, momentos antes de entrar no vagão pela primeira vez”, explica o Ministério Público.
Outra opção era equilibrar-se sobre a pilha de paletes. O professor Victor afirmou, de acordo com o órgão, que, se houvessem plataformas fixas, a tarefa seria mais segura.
O MP diz ainda que ficou provado que, além da entrada no misturador, a prática de pegar carona não era fato isolado. “Assim, os professores tinham conhecimento da prática, tanto que um deles declarou já ter advertido estudantes dentro do vagão e, inclusive, esteve no local quando a vítima entrou pela primeira vez.”
Outro ponto citado na denúncia é que o professor Juliano delegou para o tratorista as funções de “chefe imediato, professor ou coordenador do estágio”, uma vez que era ele quem distribuía as tarefas, ensinava o uso do maquinário e autorizava os procedimentos alternativos, ainda que arriscados.
Lucas de Sousa reconheceu, porém, nunca ter feito curso formal sobre operação e segurança das máquinas, tendo sido treinado por técnicos anteriores do confinamento.
Quanto ao diretor da escola, o promotor destaca que ele tem conhecimento suficiente para saber das máquinas existentes no estágio e demais setores da unidade que colocavam em risco as pessoas que exerciam suas atividades.
Além disso, diz, ele também sabia que o Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (Siass) era competente para análise de riscos, mas não requisitou a inspeção para identificá-los.
Por fim, em relação à gestora do Siass, o MP aponta que ela deixou passar mais de sete anos sem cumprir seus deveres legais com a Escola de Veterinária, por causa da falta de inspeção.
Para o promotor, caso ela os tivesse realizado tempestivamente, os riscos do processo de trabalho no estágio teriam sido identificados e adotadas as medidas de prevenção, não ocorrendo o acidente.
G1 Tocantins.