Crise do governo Temer, turbulências causadas pela Lava Jato e até início da era Trump geram dúvidas entre investidores e empresas
Em 2016, as notícias ruins sobre a economia brasileira não foram poucas. Juntamente com a crise política, a turbulência econômica não deixou de causar, entre vários números negativos, recessão e aumento do desemprego. Mas, apesar das expectativas de recuperação da economia do País estarem hoje melhores do que no passado, o início do ano de 2017 não sinaliza o fim da crise.
Segundo o Boletim Focus – pesquisa realizada semanalmente junto a instituições financeiras e economistas pelo Banco Central – divulgado na segunda-feira 2, o Produto Interno Bruto (PIB) deverá fechar 2016 com uma retração de 3,49%. Já para 2017, ele deverá ter uma alta de 0,5% – apontando, assim, uma lenta recuperação da economia.
“Famílias, empresas e governos se endividaram muito nos últimos anos e, neste momento, passam por uma fase de ajuste”, diz o economista Silvio Campos, da Tendências Consultoria. “O consumo continuará menor por causa do endividamento das famílias e do alto desemprego; o governo não tem espaço fiscal para ampliar gastos, e as empresas também estão em situação muito delicada, o que sugere uma retomada de investimentos também muito lenta.”
A crise política foi um dos principais motivos da turbulência econômica em 2016. Porém, muitos agentes do mercado e especialistas acreditavam que, com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e o início da gestão do presidente Michel Temer, os investidores internacionais ganhariam mais rapidamente a confiança para investir no país. Mas, para analistas, a atual crise política vivenciada por Temer neutraliza esse efeito.
“O cenário político está muito complicado, entre outros motivos, por conta das delações da Odebrecht na Operação Lava Jato e as chances de o Tribunal Superior Eleitoral votar pela cassação da chapa Dilma-Temer”, afirma João Luiz Mascolo, professor de economia do Insper. “E existe também a dúvida: se Temer está fraco, será que ele vai conseguir aprovar reformas e medidas fiscais? Isso traz muitas incertezas para a economia e os investidores.”
Por outro lado, a entrada do republicano Donald Trump na Casa Branca também poderá afetar a retomada do crescimento brasileiro. Mesmo que o magnata não coloque em prática um protecionismo do mercado americano, como prometido durante a campanha eleitoral, a “incógnita Trump” gera dúvidas para o Brasil. Isso porque os EUA são um dos principais destinos das exportações brasileiras.
“É um governo ainda cercado por muitas incertezas. Então, dependendo do radicalismo quanto ao protecionismo perante outros países, isso poderá gerar uma turbulência global mais forte, principalmente se pensarmos na relação entre EUA e China”, afirma Campos. “E, aí sim, os efeitos para o Brasil, via aversão ao risco e a mercados, seriam mais intensos.”
Desemprego deverá subir em 2017
Apesar da expectativa de que a economia registre um pequeno crescimento em 2017, o desemprego deverá continuar elevado e ter até mesmo uma leve alta em comparação com 2016. Isso porque o mercado de trabalho tem a característica de reagir por último aos movimentos de baixa e alta da economia.
Dessa forma, analistas esperam que 2017 seja mais de estabilização do que de recuperação do mercado de trabalho, com geração de empregos ainda insuficiente para derrubar a taxa de desemprego que, segundo o IBGE, ficou em 11,9% no trimestre encerrado em novembro, com cerca de 12,1 milhões de desempregados.
“Quando a economia começar a dar sinais melhores ao longo de 2017, o mercado de trabalho precisará de mais um tempo para sentir essa recuperação, até porque sabemos que as empresas ainda estão operando com um nível de ociosidade elevado”, explica Campos. “O desemprego terá uma leve elevação no primeiro semestre, atingindo um pico um pouco acima de 13%. Mas, no segundo semestre, volta a ceder e deve fechar em 12,1%.”
Já em relação à inflação, o Boletim Focus aponta que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deverá fechar 2016 em 6,38% – dentro da meta oficial, de 4,5%, com margem de tolerância de 2 pontos para cima ou para baixo. Para 2017, a pesquisa feita com instituições financeiras aponta que a inflação deverá alcançar 4,87% e se aproximar mais ainda do centro da meta. Quanto aos juros da taxa Selic, há a expectativa que o índice termine o ano em 10,25%.
PEC do teto de gastos
O Senado aprovou em meados de dezembro, em segundo turno, a proposta de emenda à Constituição (PEC) 55, também chamada de PEC do teto de gastos. A medida, uma das propostas do governo Temer para reequilibrar as contas públicas e que começa a valer em 2018, estipula que os gastos públicos sejam, pelo período de 20 anos, limitados à variação da inflação do ano anterior.
A PEC é uma freada histórica no aumento dos gastos públicos e pode elevar a confiança de empresas e investidores, mas qualquer efeito real da medida não será imediato. “O efeito imediato é na precificação de ativos do mercado, como, por exemplo, as taxas de juro futuras, que vão cair porque os agentes já incorporam nos preços dos ativos a perspectiva de que, ao longo dos próximos anos, a necessidade de financiamento do governo também vai cair”, explica Campos. “Mas, no caso de impactos mais reais, isso leva mais tempo para aparecer nos números das contas públicas.”(fonte:carta capital)