Para elas, a desocupação é de 13,8%, enquanto a média para o sexo masculino atinge 10,7%, segundo o IBGE. Especialistas explicam que empregadores evitam contratá-las, mesmo com formação melhor, pela tendência de se dedicarem à família
Diante da crise econômica que assola o país, o desemprego afeta quase todas das famílias. Há, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um contingente de 24,3 milhões de pessoas desempregadas ou subutilizadas. Mas as trabalhadoras foram ainda mais prejudicadas. De acordo com a Pnad, as diferenças foram significativas na taxa de desocupação entre homens (10,7%) e mulheres (13,8%) no 4º trimestre de 2016.
Na prática, por mais que se tente negar, ainda persiste o ranço do machismo: as mulheres são vistas, de modo geral, como pessoas que podem dar preferência aos cuidados com a família e deixar o empregador em segundo plano em situações de emergência. Além disso, há a tensão pré-menstrual (TPM), período cíclico mensal de fortes sintomas psíquicos e físicos, como irritabilidade, cansaço e inchaço abdominal.
Para Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset, a discriminação corporativa pode ser sutil, mas é inegável. “Uma parcela dos contratantes está convencida de que precisa de um robô disponível em tempo integral, sem relação com família ou com a vida real”, diz. Ele nota que empresários de algumas companhias passaram a preferir contratar homossexuais masculinos. “É um grupo normalmente com alta escolarização, grande competência e frequentemente sem grandes compromissos familiares, na análise desses especialistas em recursos humanos”, afirma.
Jayla Mendonça Castro, 22 anos, conhece bem a dificuldade para conseguir uma vaga. Há dois anos desempregada, não parou de entregar currículo desde então. Trabalhando em uma farmácia, recebia R$ 1,2 mil por mês, incluindo gorjetas e adicionais. “Depois, os clientes foram rareando e a salário total caiu para R$ 700”, relata. Com nível médio completo, a ex-balconista fez um pouco de tudo desde que perdeu o emprego: trabalhou em bares e restaurantes, atuou como babá e distribuiu panfletos — função na qual ganha R$ 50 por dia. “Nem no fim do ano consegui vaga no comércio. Só agora, no início de 2017, trabalhei uma semana em uma loja”, destaca.
Estreante
Já Helena Leal, 37, está entrando pela primeira vez no mercado de trabalho. Com três filhos, de 10 a 20 anos, ela vivia da pensão do ex-marido. “Mas, agora, ele também está apertado e o que paga não é mais suficiente. Apesar de tudo que ouço por aí sobre desemprego, tenho fé de que vai aparecer uma boa oportunidade. Aceito qualquer função, seja em restaurante, como garçonete ou como cozinheira, seja em salão de beleza. Sei fazer muita coisa. Deve existir alguém que precise dos serviços que posso oferecer”, assinala.
Helen Cristine Teixeira Silva, 25, desistiu do Brasil. Seu noivo é belga e mora em Londres, no Reino Unido. Ela vai se casar e tentar a vida por lá. “Meu último emprego durou um mês. Foi em telemarketing, com salário de R$ 1 mil. Pedi as contas e vou morar fora. Quero melhorar de vida”, conta. Ela é formada em História, mas não consegue atuar em sua profissão. Uma vez instalada no exterior, pretende também estudar. “Vou fazer o mestrado, estudar línguas, me adaptar à cultura e, depois de familiarizada com os hábitos, procurar oportunidades na minha área”, assinala.
Paradoxalmente, elas têm maior nível de escolarização na média, o que deveria favorecer o acesso ao mercado de trabalho. As pesquisas apontam que, enquanto 61,2% das trabalhadoras têm 11 anos ou mais de estudo, ou seja, pelo menos o ensino médio completo, para os homens este percentual era de 53,2%. Destaca-se ainda que a parcela de mulheres ocupadas com curso de nível superior completo, de 19,6%, é maior que do que o dos homens, de 14,2%. Ao contrário, aposentadoria formal delas está mais distante que a deles. O percentual de mulheres contribuintes para a Previdência (64,7%) era inferior ao de homens (68,5%). Somente o grupo da administração pública tinha o maior percentual de mulheres contribuintes (86,7%).
No recorte racial, a discrepância no mercado de trabalho também é forte. As situações de precariedade vão se agravando, quando são mais jovens e negras ou pardas. No estudo do IBGE, as diferenças ficam cada vez mais evidentes. Na Pnad do quarto trimestre de 2016, na desagregação por cor ou raça, dado divulgado essa semana pela primeira vez, as taxas de desocupação das pessoas de cor preta (14,4%) e parda (14,1%) ficaram acima da média nacional, enquanto a dos brancos situou-se em 9,5%.
É uma diferença que dói no bolso. De acordo com o IBGE, o rendimento médio real de todos os trabalhos, habitualmente recebido por mês, pelas pessoas de 14 anos ou mais de idade, foi estimado em R$ 2.043 mensais em dezembro. O resultado ficou estável tanto em relação ao trimestre imediatamente anterior (R$ 2.026) quanto ao mesmo trimestre de 2015 (R$ 2.033). Para pessoas da cor branca o rendimento médio foi de R$ 2.660. Para as pretas, de R$ 1.461. E, para as pardas, de R$ 1.480.
Os números de crescimento do desemprego apresentados pelo IBGE, segundo Jason Vieira, da Infinity, já eram esperados. As expectativas dos especialistas, por enquanto é de elevação dos níveis de desemprego, apesar do aumento da confiança do empresariado, principalmente após a decisão do Banco Central (BC) de baixar a Taxa Básica de Juros (Selic), de 13% para 12,25% ao ano. “O mercado de trabalho é o último a entrar na crise e também o último a sair dela”, afirma Vieira. Mas os sinais de melhora na conjuntura começam a aparecer. Ele diz que, com o aumento da confiança, as estatísticas vão revelar uma demanda maior.
“Com mais pessoas procurando, o nível de desemprego aumenta. As pesquisas levam em conta os ocupados, os desocupados e o desalento. Quando alguém que estava fora sai da inércia e começa a procurar trabalho, entra nas estatísticas como desempregado”, explica o economista-chefe da Infinity. Dependendo do rumo da política macroeconômica e se todas as reformas estruturais estiverem no caminho certo, Vieira prevê que o mercado de trabalho comece a reagir no fim do ano.
Piora
Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, concorda que o mercado de trabalho ainda não se estabilizou. “Continua a redução do emprego com carteira assinada, e o avanço da ocupação informal”, diz. Mas a luz no fim do túnel começa a aparecer com as indicações do BC, de tendência de baixa dos juros, e do governo, de controle dos gastos. “Com essas sinalizações, e se os rendimentos dos trabalhadores continuarem comportados, os empresários vão adiar suas decisões, para ver o que acontece mais à frente. Darão ao governo o benefício da dúvida. Quem estava com o dedo no gatilho para demitir, pelo menos, vai suspender as demissões”.
Para a economista, “pode parecer cruel falarmos em salários mais baixos”. Ela alerta, porém para o fato de que o equilíbrio entre oferta e demanda é o que vai fazer com que a economia comece a reagir. “As empresas estão quebradas. Às vezes, precisam fazer uma escolha de Sofia, ou seja, escolher os empregados que vão dispensar, mesmo quando não desejam abrir mão de funcionários. Todos tivemos que ajustar o padrão de consumo. É melhor ganhar menos do que ficar sem emprego”. Por isso, ela explica, o ajuste para baixo ou pelo menos a estabilização nos rendimentos é um componente importante para que a economia volte aos trilhos.(Fonte:Correio Braziliense)