Em 2020 houve uma alta é de 41% em relação ao ano anterior com relação aos assassinatos.
O Brasil se mantém na liderança do vergonhoso ranking de países que mais matam pessoas trans no mundo. Em 2020, foram 175 travestis e mulheres transexuais assassinadas. A alta é de 41% em relação ao ano anterior, quando foram registrados 124 homicídios.
O número de assassinatos também torna 2020 o ano mais sangrento em quatro anos, desde o início desse tipo de levantamento de dados no país. Os dados são baseados em notícias veiculadas na mídia e fazem parte de um dossiê elaborado pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e divulgado nesta sexta-feira, 29, Dia Nacional da Visibilidade Trans.
As travestis que se prostituem são a maioria entre as assassinadas, junto de negras e periféricas que enfrentaram ao longo de 2020 um acirramento da vulnerabilidade em que já se encontravam. Também chama a atenção no relatório a ausência de casos de assassinatos de homens trans.
“As travestis e mulheres trans enfrentam violências por ousarem reivindicar seu lugar de mulher”, afirma a secretária de articulação política da Antra, Bruna Benevides, uma das responsáveis pelo levantamento. Para ela, a escalada da violência com esse perfil se entrelaça com o ambiente político do país. “É uma campanha de ódio que chamam de combate à ideologia de gênero.”
A secretária da Antra afirma que está em curso no Brasil uma narrativa inferiorizante, que defende e incentiva a submissão da mulher ao mesmo tempo em que incita a violência, inserindo ataques a pessoas trans no cenário de aumento da violência contra a mulher no país.
“Não estamos seguras em nenhum lugar”
De acordo com o relatório da Antra, o estado com maior registro de assassinatos de mulheres trans em 2020 foi São Paulo, seguido do Ceará, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Por região, a maior concentração de casos está no Nordeste, com 43% das mortes.
A vítima mais jovem tinha apenas 15 anos de idade; a mais velha, 29. A maioria dos assassinatos (65%) foram de travestis que trabalhavam como prostitutas, e 71% dos crimes aconteceram em locais públicos. O perfil racial das vítimas também é evidente: ao menos 78% das vítimas foram identificadas como pessoas negras (pretas e pardas).
Em metade dos casos, as mortes foram por armas de fogo, e 77% tiveram requinte de crueldade no momento do crime. Diferentemente do cenário de violência doméstica, 72% dos assassinos não tinham relação com a vítima.
Mas, Bruna ressalta que os dados não refletem a realidade que, segundo ela, é muito pior. “Não estamos seguras em nenhum lugar”, desabafa. Ela critica a falta de dados governamentais e a subnotificação.
Além da violência, o relatório mostra que a pandemia da Covid-19 piorou as desigualdades. Segundo o dossiê, cerca de 70% da população de travestis e mulheres transexuais não conseguiram acesso às políticas emergenciais. O documento também ressalta uma piora na saúde mental desse grupo. “O número de suicídios aumentou”, observa Bruna.
Violência virtual: redes sociais são lugar hostil
A violência das ruas também tem reflexo nas redes sociais, que se tornou um ambiente hostil e violento, diz o relatório. Cruzamentos de dados da Antra apontam ainda que o Brasil é o país que mais consome pornografia trans nas plataformas de conteúdo adulto.
É uma relação de desejo e abjeção que vem ganhando corpo, segundo Bruna. “É necessária uma discussão pública para enfrentar a violência e o racismo transfóbico na sociedade”, aponta a secretária da Antra.
Ela também chama a atenção para a urgência de um debate sério sobre a necessidade de que inquéritos policiais registrem que a identidade de gênero foi determinante para o crime. “Na maioria dos casos a polícia termina a investigação dizendo que não foi crime de ódio.”
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