Investigação do Ministério Público apontou que grupo usou dinheiro para comprar fazenda de gado, carros de luxo e casa lotérica. Nove foram presos em 19 de março na Operação Caifás.
O bispo Dom José Ronaldo Ribeiro e os outros cinco padres acusados de desviar mais de R$ 2 milhões em dízimos da Diocese de Formosa, no Entorno do Distrito Federal, enfrentam nesta quinta-feira (9) sua primeira audiência de instrução e julgamento. A sessão começa às 8h30 e é presidida pelo juiz Fernando Oliveira Samuel, da 2ª Vara Criminal.
O promotor Douglas Chegury disse acreditar que o julgamento ainda não deve ocorrer nesta quinta, por causa da quantidade de testemunhas. O G1 procurou o Tribunal de Justiça para pedir detalhes da sessão, mas o órgão disse que não podia antecipar detalhes. A reportagem também tentou contato com a defesa do bispo, apontado como líder do esquema, sem sucesso.
Investigações do Ministério Público feitas a partir de denúncias de fiéis apontaram que acusados – o grupo tem ainda dois empresários e três funcionários da Cúria – usaram o dinheiro para comprar uma fazenda de gado, uma casa lotérica e carros de luxo. O bispo e os padres sempre negaram a prática de crimes.
A apuração culminou com a Operação Caifás, em 19 de março. Nove pessoas foram presas na ocasião:
- José Ronaldo Ribeiro, bispo de Formosa
- Monsenhor Epitácio Cardozo Pereira, vigário-geral da Diocese de Formosa
- Padre Moacyr Santana, pároco da Catedral Nossa Senhora Imaculada Conceição, Formosa
- Padre Mário Vieira de Brito, pároco da Paróquia São José Operário, Formosa
- Padre Tiago Wenceslau, juiz eclesiástico
- Padre Waldoson José de Melo, pároco da Paróquia Sagrada Família, Posse (GO)
- Guilherme Frederico Magalhães, secretário da Cúria de Formosa
- Antônio Rubens Ferreira, empresário suspeito de ser laranja da quadrilha
- Pedro Henrique Costa Augusto, empresário, suspeito de ser laranja da quadrilha
O grupo conseguiu habeas corpus quase um mês depois, e nenhum dos padres voltou a exercer as funções anteriores. Atualmente, a diocese de Formosa tem um “interventor”, nomeado pelo Papa Francisco: o arcebispo de Uberaba (MG), Dom Paulo Mendes Peixoto.
Advogado do juiz eclesiástico, Thiago Santos Aguiar de Pádua declarou que “a expectativa é de que seja uma boa audiência”. “O padre Tiago não apenas nega, mas também observa uma perseguição religiosa”, disse ao G1.
Seis testemunhas já foram ouvidas por carta precatória em outras cidades – em Alto Paraíso, Cavalcante, São Domingos, Brasília e São Paulo. Advogado dos outros acusados, Bruno Opa disse que esses depoimentos foram “favoráveis”.
“As testemunhas de acusação têm mais servido à defesa do que à acusação”, declarou.
Nomeado “interventor” pelo Papa Francisco, o arcebispo de Uberaba, Dom Paulo Mendes Peixoto, não se pronunciou sobre o caso. A assessoria dele informou ainda que ele não vai acompanhar a audiência.
Denúncia de fiéis
Fiéis procuraram o Ministério Público no final de 2017 para informar que as despesas da casa episcopal de Formosa, onde o bispo mora, passaram de R$ 5 mil para R$ 35 mil desde a chegada de Dom José Ronaldo. Ele já estava à frente da Diocese havia três anos.
“O bispo enfrentou esse mesmo tipo de problema e resistência lá na Diocese de Janaúba (MG). Então ele veio transferido de lá para cá e aqui ele implementou um esquema semelhante ao que ele operava lá”, disse o promotor responsável pelo caso, Douglas Chegury, na época da operação.
Aumento nas taxas de casamento
Fiéis também afirmaram que o bispo Dom José Ronaldo determinou aumento de até 400% nas taxas de casamento quando assumiu a administração, em 2014. As mesmas informações chegaram ao Ministério Público de Goiás (MP-GO) por meio do depoimento de um dos padres que denunciou o esquema, segundo o promotor.
Na época em que a Operação Caifás foi deflagrada, os noivos precisam pagar R$ 50 caso contratem fotógrafo, R$ 150 caso contratem filmagem e R$ 150 caso contratem decoração nas 33 igrejas administradas pela Diocese de Formosa. Além disso, devem gastar mais R$ 280 para cobrir despesas com documentação.
Antes da chegada do bispo, porém, os valores eram menores: R$ 30 para os serviços contratados e executados em uma das igrejas e R$ 100 para as despesas com documentação, afirmam fiéis. Os aumentos fizeram com que muitos casais decidissem adiar a união.
Falsa auditoria e ‘juramento de fidelidade’
Convocado após denúncias de desvios de dízimos e doações na Diocese de Formosa, o juiz eclesiástico Tiago Wenceslau forjou um relatório das contas questionadas anunciando que “auditoria rigorosa” apontou não haver nenhuma irregularidade, de acordo com o MP.
“[O juiz eclesiástico] Veio [de São Paulo] com um objetivo: intimidar de forma definitiva os padres e fazer com que eles fizessem, como de fato muitos fizessem, um juramento de fidelidade ao bispo [Dom José Ronaldo, apontado como líder do esquema]”, explicou na época o promotor Douglas Chegury.
“Chamados nominalmente, [os padres] deveriam responder se estavam com o bispo ou contra o bispo, não era com a igreja ou contra igreja. Isso aconteceu em uma reunião a portas fechadas”, completou.
Ainda segundo o MP, havia “clima de terror e opressão” e ameaças de retaliação, transferências e até perda de ministério aos clérigos que não se calassem ou não demonstrassem apoio ao bispo.
‘Mesada’ por paróquias mais rentáveis
A investigação apontou que padres de Formosa, Posse e Planaltina pagavam ao bispo de Formosa, Dom José Ronaldo, para que fossem mantidos em paróquias mais lucrativas. O valor mensal da “mesada” variava entre R$ 7 mil e R$ 10 mil.
Dinheiro escondido em guarda-roupa
Foram apreendidos cordões de ouro, relógios e caminhonetes da cúria em nomes de terceiros, além de uma grande quantia de dinheiro em espécie. Havia moedas estrangeiras, incluindo dólares americanos, dólares australianos, pesos argentinos, pesos chilenos e euros.
Na casa do vigário-geral, segundo na linha de sucesso da Diocese, foi apreendida grande quantidade de dinheiro no fundo falso de um guarda-roupa. Segundo a TV Anhanguera apurou, o montante contabilizou R$ 70 mil. A quantia estava em sacos plásticos.
Período na prisão
Os presos na Operação Caifás ocuparam celas em uma área separada do novo presídio de Formosa. De acordo coma Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP), o isolamento ocorreu para garantir a integridade física deles.
O grupo tinha direito a banho de sol de duas horas por dia e tomava banho em chuveiro sem eletricidade. Os clérigos, empresários e funcionário da Cúria foram soltos quase um mês depois. Eles foram recebidos com festa e cânticos religiosos.
Papa como testemunha
Dentre as 31 testemunhas arroladas pela defesa do bispo Dom José Ronaldo no processo estava o Papa Francisco. Ele deveria ser ouvido por carta rogatória. O juiz Fernando Oliveira Samuel negou o pedido, alegando que a defesa “não trouxe qualquer justificativa” para ouvir o pontífice.
Na época, o advogado Lucas Rivas disse que a escolha era “técnica”. Também haviam sido listados pela defesa do bispo o núncio apostólico no Brasil, Giovanni D’Aniello, e o cardeal Dom João Braz de Aviz.
Bloqueio de bens
O juiz Fernando Oliveira Samuel determinou em 27 de março o bloqueio de bens dos seis clérigos, dois empresários e do secretário da Cúria. O limite foi de até R$ 1 milhão por cada. Também foi autorizada a quebra do sigilo bancário e fiscal dos acusados.
No processo do MP constam documentos que apontam que alguns dos religiosos acusados de desvios de dízimos reconheceram a ausência de R$ 910 mil nos caixas das igrejas. O órgão acredita que o padre Waldson José de Melo, de Posse, o monsenhor Epitácio Cardozo Pereira e o bispo Dom José Ronaldo embolsavam os valores declarados como “desaparecidos”.
G1 Tocantins.