Colisão revelou agressões sofridas por adolescente durante mais de 1 ano.
‘Se ela voltasse desse jeito, daríamos fim nele’, afirma irmão da vítima.
A família da adolescente de 17 anos que foi torturada pelo ex-namorado, de 21, não consegue entender o trauma pelo qual a garota passou. Durante mais de um ano ela foi agredida quase que diariamente pelo rapaz. Apesar das diversas marcas no corpo da jovem, que poderiam denunciar as agressões a qualquer momento, Gustavo Vinícius de Oliveira Bernardino só foi preso após um acidente de trânsito, quando socorristas perceberam que a jovem tinha ferimentos antigos, incompatíveis com a batida. Ele nega o crime.
“A moto que eles compraram, o acidente, foi a salvação dela. Porque o pessoal do [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência] Samu já deu entrada e falou que não seria só do acidente”, afirmou o irmão da vítima em entrevista ao G1.
A adolescente nasceu em Votorantim (SP) e se mudou com o namorado para a cidade de Santa Helena de Goiás (GO), após o início do namoro. A jovem, entretanto, era torturada quase todos os dias pelo rapaz.
Por todo o corpo da garota é possível ver as fortes cicatrizes feitas com o uso de facões, cabos de vassoura, pedaços de caibro e até mordidas. Após a tortura ser descoberta, ela retornou para a casa da família, no interior de São Paulo.
O irmão, que tem 35 anos, conta que, no começo, o relacionamento da irmã parecia ser como qualquer outro namoro. “Ele se apresentou para a minha mãe como bonzinho, dava presente para ela e levava nos lugares que ela queria”, lembra.
Mas, com o passar do tempo, veio a mudança de estado e a família perdeu o contato com a jovem. “A gente ficava preocupado com ela. O que confortava o coração eram as ligações em que ela falava que estava bem e pedia para não procurar ela. Nunca imaginávamos que isso estava acontecendo com ela.”
Contato restrito
O contato com a família era restrito e apenas por telefone, sempre com a “supervisão” do namorado. A adolescente contou ao G1 que era obrigada a falar para a família, via telefone, que levava uma boa vida em Goiás, com casa, moto e dinheiro. “Ele ficava com um facão do meu lado me ameaçando, mandando eu falar que estava tudo bem. Uma vez eu quase chorei porque tinha acabado de apanhar, mas ele desligou o telefone, bateu de novo e quebrou o chip do celular.”
O irmão diz que a mãe da garota até tentou retornar as ligações, mas o telefone estava sempre desligado. “Não deixava nem falar onde eles estavam morando. Não sabia cidade e nem nada. Não dava contato nenhum”.
Durante as poucas conversas, havia a promessa de que ela poderia voltar a São Paulo no final deste ano. Mas, após reencontrar a irmã, ele acredita que talvez jamais visse a menina novamente. “A intenção dele era matar ela aos poucos. Não ia apresentar ela de novo pelo estado em que ela estava. A nossa esperança era encontrar ela de novo, mas do jeito que ela estava não iríamos vê-la nunca mais.”
Machucados
As agressões só foram descobertas após um acidente de trânsito em Goiás no último dia 12 de julho, quando o casal sofreu ferimentos leves. Durante atendimento da ocorrência, o Corpo de Bombeiros notou machucados antigos e infeccionados na cabeça da vítima e a levaram para o Hospital de Urgências de Santa Helena de Goiás (Hurso). Em uma das mãos, por exemplo, a jovem não consegue mexer alguns dedos, que estão quebrados.
A família da jovem foi até a cidade após ser contatada pelo Conselho Tutelar e só após chegar em Santa Helena de Goiás é que tomou conhecimento do que estava acontecendo. “Na hora veio uma revolta e aquele ódio. Vontade de pegar o cara e tomar alguma atitude, mas como ele estava diante da polícia, não deixaram nem ter contato. Se ela voltasse para cá [para Votorantim] desse jeito, daríamos fim nele aqui. A população não ia aguentar deixar assim.”
Agora ao lado da irmã, do homem lamenta o que a garota passou. “Ela está bem diferente [do que quando foi]. Ele deixou bem mudada e destruiu a vida dela. Só agora, voltando, passando pelo psicólogo e com apoio da família é que vai levantar a autoestima dela agora.”
Relatos de dor
A adolescente, que passa por acompanhamento médico em Votorantim, falou pela primeira vez sobre o assunto nesta quarta-feira (27), em entrevista ao G1.
“Perdi a conta de quantas cicatrizes eu tenho no meu corpo. No começo eu contava, mas parei porque são mais de 30, mais de 50. Ele falava que gostava de arma branca porque matava aos poucos. Eu pedia para Deus tirar a minha vida, mas não ia adiantar”, conta.
O casal, que morava em Votorantim, se conheceu em um baile funk, quando a jovem acabara de fazer 15 anos. Conforme eles foram se conhecendo, passaram a morar juntos. A primeira agressão veio um mês após o começo do namoro. “Ele falou que eu estava olhando para outras pessoas e começou a me bater. Eu fiquei assustada e tentei fugir, mas ele falava que iria me matar e quem entrasse na frente também. Eu não sabia que ele era violento desse jeito.”
Com medo de denunciar para a família as agressões que sofria, ela continuou o namoro quieta. Sete meses depois, o namorado teria feito novas ameaças e obrigado a garota a se mudar para outro estado, na cidade de Santa Helena de Góias. Viviam da venda de CDs piratas em uma banca, além de coisas encontradas na rua, balas vendidas em semáforo e pedindo dinheiro e comida na rua.
A adolescente conta que, após a mudança, as agressões ficaram piores e mais constantes, quase que diárias. “Era uma tortura e ele gostava. Batia em mim por qualquer motivo e dava risada”, diz ao afirmar que o homem não usava drogas.
“Ele falava para eu fazer comida em um minuto. Como o arroz e feijão demora, ele vinha e já me batia com qualquer coisa que estivesse perto. Facão, faca de cozinha, pedaço de caibro, ferro, chinelo, tudo o que estivesse na frente. Ele também me mordia. Eu queria chorar, mas não podia.”
Em um dos casos, o mais forte, o agressor deixou uma eterna cicatriz em seu rosto, próxima aos olhos da garota. “Ele bateu com uma garrafa PET cheia de água. Ele subiu em cima de mim na cama, prendeu meus braços e ‘tacou’ na minha cara. Eu virei para não bater no meio do rosto, foi quando fez um buraco. Não sei como não fiquei cega, porque passei um mês sem enxergar.”
A jovem relata que várias vezes foi atingida com golpes de facão na cabeça, tanto com cabo quando pela lâmina. “[Ele] Jogava o facão na minha cabeça e foi abrindo mais. Eu só via pedaço de couro saindo com fios de cabelo. Fui perdendo a sensibilidade e não sentia mais nada. Ele quebrou o meu dedo com o facão. Conforme eu ia me defendendo, ele me atingia.”
A adolescente também diz que até tentou escapar, mas não conseguia pedir socorro. “Eu não conhecia ninguém lá. Quando ele não estava perto, eu só saia com conhecidos me vigiando e o corpo inteiro coberto por roupas. Eu tentei fugir, mas acabei pegando uma rua errada. Ele me achou na metade do caminho e voltou me batendo. Fiquei com medo de escapar. Era que nem uma prisão. Eu tinha que suportar porque se eu chorasse ele batia mais. Eu aprendi a segurar a minha dor. Tinha que apanhar quieta.”
Fonte:g1