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Paro de tomar a pílula?

Em meio à divulgação de graves reações adversas ao anticoncepcional, mulheres questionam os riscos e a falta de informação sobre o contraceptivo

Assim como outras 11 milhões de brasileiras, a gaúcha Daniela Ayubi, 34 anos, optou pelo contraceptivo hormonal oral, as chamadas pílulas anticoncepcionais, para evitar uma gravidez. A partir dos 13 anos de idade, tomou diferentes marcas desses medicamentos.

Ayubi nunca teve problemas até que, após interromper brevemente o uso por conta própria, foi ao ginecologista e voltou para casa com uma amostra grátis e com a recomendação de continuar tomando a pílula por conta dos benefícios para a pele.

Daniela tinha hipertensão e sobrepeso, mas relata que ouviu do médico que o risco de um problema mais grave era mínimo. “Hoje sei que eu tinha fatores de risco e que ele não poderia ter receitado a pílula”, conta.

Em fevereiro deste ano, Ayubi teve alguns episódios de falta de ar. “Um belo dia, deitei para dormir e não conseguia respirar”, conta a bacharel em Direito. Foi direto para o hospital. Na mesma noite, recebeu o diagnóstico de embolia pulmonar. Na sequência, descobriu que estava também com trombose. Ficou 10 dias internada.

“Fiquei no oxigênio, mal conseguia falar ou me mexer e, por cinco dias, não conseguia dormir direito”, relata ela, que credita seus problemas de saúde ao uso da pílula anticoncepcional.

Daniela não é a única. No Facebook, a página “Vítimas dos Anticoncepcionais”, que reúne relatos e promove a troca de informações sobre os possíveis efeitos adversos da pílula, tem cerca de 126 mil seguidores. Muitos dos casos viralizaram nas redes, aumentando a desconfiança de muitas mulheres com relação a um medicamento visto até então como um dos pilares da revolução sexual feminina.

A polêmica não se restringe ao Brasil. Vendida em mais de 100 países, o medicamento Diane 35 foi suspenso por três meses pela agência francesa de segurança de medicamentos em 2013, após o uso do contraceptivo ser relacionado com 125 casos e quatro mortes por trombose venosa no país desde 1987. Cerca de 315 mil mulheres consumiam o medicamento na França.

Ponta do iceberg 

Oficialmente, a correlação estatística entre o uso da pílula e a trombose é considerada pequena. Considerando uma população de 10 mil mulheres que não tomam pílula, duas ou três desenvolvem a doença por ano. Entre 10 mil mulheres que tomam a pílula, o risco aumenta em 100%, isto é, a chance passa para de quatro a seis casos.

Atualmente, a pílula anticoncepcional é utilizada por 100 milhões de mulheres no mundo todo. No Brasil, são 11 milhões de consumidoras: trata-se do método contraceptivo de preferência de 23% das mulheres em idade fértil.

Apesar de raros, os casos de reações adversas relacionadas ao anticoncepcional, quando acontecem, costumam provocar consequências graves. “A trombose pode estar localizada onde o trombo acontece, em geral nos membros inferiores”, diz César Eduardo Fernandes, presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), se referindo aos coágulos (trombos), que podem obstruir a circulação do sangue.

“Esses trombos podem ficar no local ou migrar, levados pela corrente sanguínea. Quando eles migram, denominamos tromboembolismo – um trombo que caminha pelas veias e vai se alojar à distância. A trombose pode levar a um tromboembolismo pulmonar ou cerebral. São eventos potencialmente muito sérios, que podem levar a óbito ou deixar sequelas importantes”, diz.

Quando acontecem, os efeitos adversos da pílula atingem como um raio a vida de mulheres como a da técnica de enfermagem e gestora hospitalar Janine Cavalcante, hoje com 28 anos.

Após cinco anos de uso da pílula, Janine teve uma trombose venal cerebral aos 24 anos. “Eu achava a pílula libertadora, pois era possível controlar com ela o nosso ciclo. Não deixa de ser, mas o risco não compensa o benefício que temos com ela. É um veneno”, critica.

Portadora sem saber da condição genética trombofilia, que aumenta ainda mais as chances de complicações sérias, Janine passou a sentir fortes dores de cabeça. Levada ao hospital, ficou sete dias internada. Não toma mais anticoncepcionais orais hormonais desde 2012. “Quando você vai no ginecologista ele diz que é raro (o risco de trombose), mas no pronto-socorro a primeira pergunta foi se eu usava anticoncepcional”, critica.

De maneira geral, a pílula não é recomendada para mulheres com doenças cardio-vasculares pré-existentes, cuja família tenha tendência à formação de coágulos no sangue, obesas, com alto nível de colesterol e em fumantes acima dos 35 anos.

Ainda assim, há casos de pessoas sem predisposição que sofrem com o problema, inclusive com sequelas ainda mais graves.

Após tomar o medicamento Yasmin por cinco anos, a paulista Alessandra Fernandes Costa começou a sentir dores de cabeça fortíssimas, iniciadas em janeiro de 2011. Nas três idas ao pronto-socorro, voltou para casa com o diagnóstico de enxaqueca. Em uma madrugada, deitada ao lado do marido, começou a convulsionar. Entrou em coma imediatamente.

Com o diagnóstico de AVC hemorrágico em decorrência de uma trombose, Alessandra ficou 24 dias na UTI, 12 deles em coma. Aos 36 anos, vegetariana, não-fumante e praticante de atividades físicas regulares, Alessandra não tinha antecedentes de trombose na família. Estaria, em tese, liberada para tomar o anticoncepcional.

As lembranças deixadas pelo remédio são, porém, amargas. “Eu não posso nem ver (a pílula). Todos falam que eu nasci de novo, pois a minha lesão foi muito grande, quase morri. Hoje sou aposentada por invalidez, ando com bengala e não mexo quase meu braço esquerdo”, conta ela, que resistiu durante anos à recomendação de usar a pílula, mas acabou convencida por um ginecologista a adotar a medicação por conta das cólicas fortes que sentia a cada ciclo menstrual.

“Eu me senti bem a princípio. Li a bula e lá constam os efeitos adversos, mas você nunca imagina que vai acontecer com você”, diz a ex-analista acadêmica, que também relata ainda arcar com outros problemas como depressão, epilepsia e obesidade.

Assim como outras mulheres que passaram por problemas associados à pílula, Alessandra desconfia das estatísticas apresentadas pelos médicos. “Cada dia a gente vê uma reportagem nova ou um post novo de uma pessoa que faleceu, que está internada. Os médicos falam que é raro. É raro mas acontece, né?”

Subnotificação

No Brasil, entre janeiro de 2011 e junho de 2016, a Anvisa recebeu 267 notificações envolvendo anticoncepcionais orais combinados com os princípios ativos drosperinona e etinilestradiol (comercializados pelas marcas Yaz, Iumi, Yasmin, Moliere e Elani) e a combinação de gestodeno e etinilestradiol. Dentro deste universo, o número de reações graves notificadas foi de 133 no primeiro caso e 44 no segundo (veja na tabela abaixo). Também registrou-se quatro mortes.

Há subnotificação de casos, no entanto, uma vez que médicos não são obrigados a registrá-los. De acordo com dados da Organização Pan-Americana de Saúde, apenas 10% das reações adversas ao anticoncepcional são notificadas às autoridades competentes e só 5% dos médicos notificam.

“Com certeza existe a subnotificação. Só vemos mesmo a ponta do iceberg, mas por uma amostra já podemos realizar ações regulatórias”, explica Lívia Ramalho, gerente substituta da área de Farmacovigilância da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Tabela da Anvisa sobre anticoncepcionais

Motivada, entre outros fatores, pela viralização dos casos nas redes sociais e pela cobertura realizada pela imprensa, a Anvisa recomendou, no início de agosto, o uso de pílulas anticoncepcional só após prescrição médica.

“Essa recomendação não é nova. Os contraceptivos orais são medicamentos de tarja vermelha, isto é, devem ser vendidos só com prescrição”, explica Ramalho. Ela admite, porém, que apesar dessa recomendação é comum a compra de anticoncepcionais sem qualquer receita em farmácias. “Mas isso é outro problema”.

A agência adverte que, antes do início do uso de qualquer contraceptivo, deve ser realizada minuciosa análise individual da mulher, seu histórico familiar e um exame físico, incluindo determinação da pressão arterial.

Além disso, exames das mamas, fígado, extremidades e órgãos pélvicos, além do Papanicolau, devem ser conduzidos. Tais exames clínicos devem ser repetidos pelo menos uma vez ao ano durante o uso de medicamentos contraceptivos.

Ainda que os médicos não sejam obrigados a fazê-lo, a comunicação de casos graves e de óbitos à Anvisa é obrigatória, desde 2013, para detentores do registro de medicamentos e para hospitais e serviços de saúde. Por meio de canais de atendimento e do sistema eletrônico de notificações de eventos adversos (Notivisa), qualquer pessoa pode comunicar o problema à agência de vigilância brasileira.

“Se você sentir uma dor de cabeça muito forte, vá ao médico”

O médico César Eduardo Fernandes, da Febrasgo, explica que é sabido que os anticoncepcionais hormonais orais, que contêm estrogênio e progesterona, aumentam o risco de tromboembolismo.

“As primeiras pílulas tinham um risco inicial 20 vezes maior do que os de hoje. De lá para cá, houve um progresso brutal com a síntese de novos compostos. As pílulas de hoje não são inócuas, mas melhoraram ao longo de três décadas”, afirma.

Nas primeiras versões da pílula, a dose de hormônios, em comparação com os medicamentos disponíveis hoje, era muito maior: 150 microgramas de etinilestradiol, o estrogênio sintético. Atualmente, a quantidade de hormônio nas pílulas de alta dosagem é 50 microgramas. A maioria dos contraceptivos de baixa dosagem contêm de 15 a 35 microgramas do hormônio.

Para as agências reguladoras, mesmo com esses riscos, os medicamentos anticoncepcionais atuais possuem um “perfil de segurança aceitável”. Fernandes explica que todos os remédios carregam, em princípio, algum risco ou efeito colateral. O que é preciso saber, diz o médico, é se a incidência desses eventos adversos é aceitável.

A título de comparação, Fernandes faz uma analogia com o risco de viajar de avião: a chance de morrer em um acidente aéreo é estatisticamente baixa, mas, quando ele acontece, é um tragédia.

“Do mesmo modo, quando o tromboembolismo acontece com uma usuária da pílula, jovem e saudável, é muito preocupante”, afirma. Fernandes também diz que a própria gravidez aumenta mais o risco de desenvolver trombose do que a pílula: passa para 30 casos em 10 mil mulheres. “O anticoncepcional é eficaz para evitar filhos, porém, traz um risco e isso precisa ser dito para as mulheres”.

Médica e professora associada do Departamento de Tocoginecologia do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM)/Unicamp, Ilza Maria Urbano Monteiro reafirma que a probabilidade estatística é pequena, mas admite que a orientação médica sobre os riscos não é frequente.

“A orientação deveria ser: se você notar que a sua perna ou a sua panturrilha começam a inchar, vá ao médico para ver. Se você sentir uma dor de cabeça muito forte, vá ao médico. Essas orientações o médico deve reforçar”, afirma.

Além disso, Monteiro explica que a pílula não deve mais ser a primeira opção de contraceptivo, especialmente para as mulheres jovens, já que a taxa de gravidez mesmo tomando a pílula é considerada alta (8% dos casos). Segundo ela, o método mais recomendado atualmente é o DIU de cobre ou hormonal.

“Não posso prescrever uma pílula para uma adolescente que não adere ao método e toma completamente errado o medicamento. Tenho que pensar em outras alternativas, como implante ou o anel vaginal. A gravidez na adolescência é um problema mais real e com impacto enorme na sociedade. E, atualmente, é muito mais comum do que o risco para a trombose”, explica Monteiro.

Ao mesmo tempo, de acordo com os médicos ouvidos pela reportagem, não há ainda exames eficazes para determinar se é seguro receitar o medicamento anticoncepcional. De maneira geral, é possível detectar apenas metade dos casos. O custo (em torno de R$ 2.500 por paciente) é outro entrave. “Não dá para o sistema de saúde absorver esse gasto”, explica a ginecologista.

Ana Luiza Antunes Faria, médica com especialização em Ginecologia e Obstetrícia pela Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e pelo Hospital Pérola Byington, não acha que os casos devem motivar uma condenação da pílula. Especialmente em um país em que a gravidez de 55% das mulheres não é planejada e que 12% das adolescentes entre 12 e 19 anos já tiveram pelo menos um filho.

O ideal, segundo ela, é que os médicos avaliem caso a caso: “Pesar os riscos e os benefícios e sempre valorizar as queixas das pacientes”, diz a médica. “Se pensarmos em quantas mulheres tomam a pílula e quantas desenvolvem esses quadros, veremos que a proporção total é muito pequena. Mas para aquela família que foi afetada, os números não importam”, diz.(fonte:carta capital)

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