Cientistas dos EUA chegaram à conclusão após acompanhar 10.938 crianças submetidas ao tratamento contra cânceres. A terapia pode, na vida adulta, reduzir o número de espermatozoides e, nas mulheres, acelerar a menopausa
Há uma geração de adultos com motivos a mais para se preocupar com a saúde reprodutiva: a dos sobreviventes de cânceres durante a infância. E o cenário é mais delicado para os homens, indica um estudo publicado hoje na revista The Lancet Oncology. Para as mulheres, o impacto da quimioterapia na probabilidade de engravidar é geralmente pequeno, e a maioria das antigas pacientes tem boa chance de conceber. Eles, por outro lado, enfrentam mais dificuldade para gerar filhos, especialmente se tiverem sido tratados com doses altas de drogas da classe alquilantes — que se ligam ao DNA da célula doente e impedem que ela continue se reproduzindo.
Liderada por Eric Chow, do Fred Hutchinson Cancer Research Center, nos EUA, a pesquisa é baseada em dados do projeto Childhood Cancer Survivor Study, que acompanhou pessoas com menos de 21 anos diagnosticadas com as formas mais comuns de câncer infantil: todos os tipos de leucemia, tumores do sistema nervoso central, linfoma, tumor nos rins, neuroblastoma, sarcoma de tecido mole e tumor nos ossos. Os pacientes foram tratados em 27 centros de saúde dos EUA e do Canadá entre 1970 e 1999.
A equipe de Chow analisou o impacto de 14 quimioterápicos comumente prescritos sobre 10.938 pessoas. Os dados foram comparados com os de 3.949 irmãos saudáveis delas. O estudo analisou, especificamente, sobreviventes tratados com quimioterapia e que não receberam radioterapia na pelve ou no cérebro. Aos 45 anos, 70% das ex-pacientes tinham engravidado, em comparação a mais de 80% das irmãs delas. Entre os homens, a taxa foi substancialmente menor: 50%, contra 80% dos irmãos. No caso deles, a probabilidade de gerar uma criança diminuiu à medida que aumentaram as doses cumulativas de fármacos alquilantes — ciclofosfamida, ifosfamida, cisplatina e procarbazina — no tratamento durante a infância.
Presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc), Gustavo Fernandes explica que os medicamentos têm como efeito colateral lesões no DNA dos pacientes. “As células primordiais do testículo estão entre as mais afetadas. Elas, assim como os ovários, podem sofrer lesões que se perpetuam para o futuro. No entanto, nos ovários, atuam menos, pois lá os óvulos estão em repouso. Os espermatozoides, não: estão sempre se replicando. Por isso, é natural e até esperado que os homens sofram mais com o tratamento”, detalha o médico.
Os resultados da equipe de Chow são consistentes com estudos anteriores, mostrando o impacto maior sobre os homens, como menor contagem de espermatozoides e volume testicular reduzido. Os autores ressaltam que a dose de ifosfamida capaz de prejudicar os meninos é muito menor do que a considerada de alto risco pelas diretrizes atuais. Nas mulheres, as substâncias mais danosas foram busulfan e lomustine. A dificuldade foi maior entre aquelas que preferiram engravidar depois dos 30 anos. É possível que a exposição à quimioterapia acelere o esgotamento natural dos óvulos e acelere a menopausa.
A preocupação com a fertilidade é maior entre as crianças com cânceres porque elas não podem ser submetidas a todas as intervenções disponíveis aos adultos. Maurício Chehin, especialista em reprodução assistida do Grupo Huntington, em São Paulo, explica que meninas que não atingiram a puberdade não podem fazer tratamentos voltados para óvulos e embriões. “As pré-púberes, no entanto, podem congelar o tecido ovariano”, explica. O material, no futuro, é implantado na paciente que deseja engravidar.Os meninos também não podem ser estimulados para preservar o sêmen. “Mas, se já atingiram a puberdade, é possível coletar e congelar. Uma vez que é criança, contudo, sobraria apenas congelar o tecido testicular. O problema é que, ainda hoje, não existe nenhuma criança nascida da preservação desse tecido. É uma técnica experimental, assim como a utilizada com as meninas. Apesar disso, existem mais de 60 nascidos vivos no mundo graças ao transplante de tecido ovariano”, pontua Chehin.