Vejam o caso do câncer de pulmão. As pesquisas avançam no mundo, a todo vapor. No Brasil, não.
Os avanços no cuidado de pacientes com câncer de pulmão estão beirando o inacreditável. Em pouco mais que dez anos, a expectativa de vida de um doente diagnosticado com câncer de pulmão, disseminado com metástases pelos vários órgãos do corpo, passou de seis meses para mais de quatro anos.
Cuidados mais apropriados. Quimioterapia múltiplas vezes mais eficiente e mais bem tolerada, radioterapia precisa e cirurgia de baixa agressividade são as armas que os especialistas dispõem para combater o que o oncologista americano Siddhartha Mukherjee chamou de “o imperador de todos os males”.
Avanços, no entanto, necessitam de aprimoramento de médicos, enfermeiros, estatísticos, hospitais especializados, processos administrativos e éticos, além de investimento de tempo e dinheiro pelas autoridades de saúde de cada país.
O mundo entendeu tais necessidades e as nações interessadas em embarcar no trem da ciência e do avanço tecnológico criaram agências de fomento à pesquisa básica e clínica, dedicando tempo e dinheiro para agilizar e manter os programas de pesquisa correndo a todo vapor. O Brasil, não.
Onze anos atrás, publiquei na minha coluna dados sobre a pesquisa clínica em câncer de pulmão no Brasil. Vários obstáculos foram apontados naquela época.
Hoje, sentado no gigantesco auditório do Centro de Convenções de Viena, na Áustria, participando do Congresso Mundial de Câncer de Pulmão, assisti à palestra de um brilhante cientista brasileiro, o doutor Gilberto Castro, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), que descreveu o estado atual da pesquisa oncológica na América Latina, principalmente no Brasil.
Eu me encolhi na poltrona do auditório ao saber da relativa inércia de nossa ciência, mesmo comparada com as nações irmãs do sofrido Mercosul.
As universidades, os hospitais e as instituições de ensino médico de nosso país não têm planos de fomento à pesquisa. Isso não faz parte de seus job descriptions. Gastam milhões em propaganda nos meios de comunicação, descrevendo suas qualidades universitárias, suas tão marteladas excelências, mas não dedicam quaisquer míseros centavos para pesquisa de ponta visando ao real avanço da ciência e do saber.
Ao mesmo tempo, o Brasil é campeão na América Latina no atraso absurdo para aprovação de projetos de pesquisa clínica, como indica o gráfico.
Uma pesquisa científica médica no Brasil leva, em média, 40 meses. Isso mesmo, mais de três anos para ser aprovada.
E quando é aprovada, ao fim desse inacreditável descaso das autoridades governamentais, a pergunta científica ou já foi respondida pelos inúmeros centros de pesquisa ao redor do mundo ou a metodologia está obsoleta, necessitando nova aplicação, nova burocracia e um novo período de 40 meses, praticamente o dobro dos demais países latino-americanos.
Marcos André Costa, oncologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, confessou que enviou uma proposta para aprovação brasileira de estudo internacional, envolvendo instituições de vários países. Demorou tanto o retorno das agências reguladoras do Brasil que, quando foi aprovado o início da pesquisa, a mesma ficou aberta por somente nove dias.
Cientistas do resto do mundo já haviam completado a pesquisa e incluído todos os pacientes necessários. Mais uma vez, o trem do avanço tecnológico passou e ficamos na estação. Somos meros espectadores da dinâmica inexorável do progresso científico.
Sentenciou o doutor Castro, do Icesp, na sua palestra em Viena: “O Brasil tem muito o que fazer para se tornar um sério parceiro do time científico da oncologia mundial. A esperança é a última que morre, sempre dizem.
Mas logo antes dela milhares de brasileiros portadores de câncer continuam morrendo, sem acesso a medicamentos altamente eficientes e sem perspectiva de controle duradouro de um inimigo implacável”. E eu continuo me encolhendo nas poltronas dos auditórios de conferências mundo afora. Também sem grandes perspectivas.(fonte:carta capital)