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Mesmo com decisões judiciais, bebês que nascem com doenças cardíacas morrem esperando cirurgia

Todos os bebês atendidos pela rede pública morreram esperando cirurgias ou transferências. Ministério Público e Defensoria atuam em casos e conseguiram decisão para Estado estruturar setor cardíaco neonatal.

Nascer com problema no coração no Tocantins é praticamente uma sentença de morte. Em 2018, todas as 12 crianças que nasceram na rede pública com algum tipo de doença cardíaca grave acabaram morrendo à espera de procedimentos ou transferência para outros estados. Os dados levam em conta os casos em que os pais procuraram a Defensoria Pública, mas revelam o sofrimento de quem depende de cirurgias cardíacas neonatais.

O bebê João Miguel, por exemplo, morreu em julho deste ano após ficar sete meses internado no Hospital Geral de Palmas (HGP). “Eu nunca pude sequer pegar o meu bebê no colo, pois a situação dele era muito delicada. O médico alertou do risco sobre a urgência, mas só o que faziam era dizer que a gente tinha que esperar”, lamentou a mãe do menino, Raquel Bezerra.

Em todos os 12 casos havia uma decisão determinando a realização da cirurgia ou transferência para tratamento em outros estados. Só que os pacientes morreram esperando cumprimento das liminares ou logo depois de vencer o tempo de espera e passar pelos procedimentos.

O Davi Gabriel, por exemplo, não resistiu após permanecer 43 dias internado no Hospital Maternidade Dona Regina, em Palmas. Durante metade deste tempo, a família tinha uma ordem da Justiça para que a cardiopatia complexa congênita do paciente fosse corrigida.

O dinheiro para cirurgia chegou a ser bloqueado, mas o estado afirmou que aguardava a emissão de um alvará para usar o valor e fazer a transferência do menino. Na época, a mãe do bebê, Camila Cerqueira das Neves, de 21 anos, lamentou a demora.

Muito ruim perder um filho por causa de dinheiro. Mesmo com a decisão não deram nenhuma resposta. O juiz mandou bloquear as contas e mesmo assim não conseguimos a cirurgia do meu filho.

Seis meses se passaram e a jovem conta que ainda tenta superar a morte do filho. O nome do bebê, que representava sonhos e projetos para a família, deixou de ser pronunciado e agora passou a ser sinônimo de dor.

“Se tivesse mais responsabilidade e mais amor pela vida ele não teria morrido. Às vezes bate uma saudade, uma tristeza sem explicação. Quando a gente pensa que está bem vem tudo de novo”, lamentou.

Outro caso registrado neste ano foi da menina Luíza Pereira, filha do lavrador Domingos Filho Pereira. A família vive em um assentamento em Goiatins, norte do estado. O lavrador e a esposa pararam tudo para lutar pela vida da filha durante sete meses.

“Ela nasceu no Dom Orione em Araguaína, mas deram alta e voltamos para casa. Só que foi piorando e internaram minha filha de novo em Araguaína, mas lá ela contraiu lá uma infecção pulmonar, até que a transferiram para Palmas”, relembrou.

Luiza foi transferida para Palmas em julho, mas não resistiu e morreu pouco tempo depois.

Situação recorrente

A morte de bebês por falta de cirurgia cardíacas vem acontecendo há pelo menos dois anos. O defensor público Arthur Luiz de Pádua Marques. explica que até 2015 o estado não tinha esse tipo de problema devido um convênio com o Hospital da Criança em Goiânia (GO).

Só que o Estado acumulou uma dívida a partir de 2016 e acabou tendo o serviço suspenso. Depois disso, começou a comprar cirurgias de urgência no Rio de Janeiro e em outros estados, com um valor muito mais elevado.

“Neste ano foi feito um credenciamento com o Instituto Goiano de Pediatria (IGOP). Eu conversei com o cirurgião de Goiânia e ele disse que os paciente estão chegando muito graves e essa demora pode implicar em uma piora. Nessas cirurgias, quanto antes tem a intervenção mais chances tem de sobreviver. Eu entendo que há omissão por parte do estado.”

Ainda segundo o defensor, em todos os casos de 2018 havia recomendação médica de urgência.

“Todos tinham no laudo ou prontuário a informação de que havia risco de óbito e a necessidade de cirurgia era urgente. Esse foi o caso do Gabriel [Davi Gabriel]. Foi negligenciado durante 40 dias. Ficou esperando e o quadro foi piorando”, afirmou.

Morte de bebês nos últimos anos

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Ação Civil Pública

Em maio deste ano, a partir de uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público e Defensoria, a Justiça emitiu uma sentença para que o governo do Tocantins regularize o setor de cirurgias cardíacas neonatais no prazo de 12 meses.

Para isso, determinou que os materiais necessários sejam adquiridos e os profissionais treinados. Porém, cinco meses se passaram e o setor de cirurgias neonatais ainda não saiu do papel.

A Secretaria de Estado da Saúde (SES/TO) afirmou, em nota, que está trabalhando para iniciar a realização das cirurgias de cardiopatias congênitas no Tocantins dentro do prazo.

Para isso, informou ter capacitado uma equipe multiprofissional para implantação do serviço, em conjunto com o Ministério da Saúde e o Hospital do Coração (Hcor) de São Paulo. Também afirmou ter iniciado a compra dos equipamentos, insumos e instrumentais.

“Em outra frente de trabalho a SES buscou serviços para atender os pacientes que necessitam, finalizando o credenciamento de dois serviços de cardiopatia em Minas Gerais e Goiás, além de aguardar a documentação de mais dois serviços dos estados de Santa Catarina e outro em Goiás”, afirma nota.

O defensor público Arthur Luiz de Pádua Marques afirma que todas as mortes estão sendo investigadas. Além disso, embora o estado tenha capacitado uma equipe para realizar cirurgias, faltam equipamentos e materiais. Por causa disso, nenhum procedimento foi feito até agora.

“Há processo criminal para investigar porque essas crianças morreram. Se foi a demora que causou a morte, os gestores devem ser responsabilizados. Se morreu por omissão vão responder criminalmente”, afirmou.

Para as famílias resta o sentimento de que algo poderia ter sido diferente e um pouco mais de agilidade poderia ter salvado a vida dos filhos. “Espero mais responsabilidade para não deixar isso acontece com outras crianças. Que meu filho seja um exemplo e outros bebês não morram pelo mesmo motivo”, pediu Camila Cerqueira.

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