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A PEC 55 e o mito do descontrole da dívida pública

Pretende-se cortar despesas sociais para pagar juros da dívida, quando é preciso reduzir juros e criar uma política capaz de estimular o setor privado

A PEC 55 – conhecida como PEC dos Gastos – é uma das propostas mais cruéis apresentadas ao Congresso Nacional pós Constituição de 1988.

Ela vai bloquear os gastos e investimentos públicos por 20 anos porque, na visão dos integrantes da equipe econômica de Michel Temer, é necessário promover uma forte contenção fiscal para equilibrar as contas do governo e, com isso, estancar a “explosão” da dívida pública.

Toda a justificativa da PEC 55 está fundamentada no crescimento “descontrolado” da dívida. Para tanto, tem de reduzir as outras despesas para pagar juros e, assim, reduzir a dívida.

Parece simples e correto. Mas essa não é a verdade. Nem a dívida está descontrolada, nem sua diminuição trará crescimento econômico e desenvolvimento.

Nota Informativa da Consultoria Legislativa do Senado (2.797/16), assinada pelo consultor Petronio Portella Nunes, desmistifica, com dados do Banco Central, o crescimento exponencial da dívida pública brasileira.

Mostra que nos últimos 15 anos o crescimento da dívida vem diminuindo de forma consistente e acelerada. De 1994 a 2002, o crescimento da dívida foi de estratosféricos 752%.

Isso mesmo, nos oito anos de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso a dívida líquida total saltou de 18,9% do PIB para 37,7% do PIB, não computadas aí dívidas dos Estados e municípios.

Somando-se essas, o total da dívida líquida saiu de 33,5% para 57,4% do PIB.

No governo de Lula (2003 a 2010) a dívida pública cresceu 79% e no governo da presidenta Dilma (2011 a 2015), o crescimento foi de apenas 31%.

Esta foi, de longe, a menor taxa de crescimento da Dívida Líquida Total. Essa dívida não só foi reduzida em relação ao PIB, como diminuiu em termos reais. A inflação acumulada no período, medida pelo IPCA, chegou a 41%.

Juntando os dois governos petistas, fica clara a desmoralização dos argumentos do governo de plantão.

Mesmo considerando a elevação de 2,9 pontos percentuais que ocorreu em 2014 e 2015, a dívida pública sofreu queda em relação ao PIB tanto no governo Lula (de 37,7% para 25,8%) quanto na administração Dilma (de 25,8% para 22,2%).

Se computados Estados e municípios temos queda 57,4% para 37,4% do PIB no governo Lula, e de 37,4% para 35,3% do PIB no governo Dilma.

Acrescente-se a essa avaliação que, após o governo Lula, não tivemos mais dívida externa. Somos credores do Fundo Monetário Internacional e temos reservas em dólares que ultrapassam os US$ 350 bilhões. O que não tínhamos na década de 90.

Nossa dívida hoje é em reais, moeda nacional. Por isso é falácia dizer que o Brasil está quebrado, ou pode quebrar.

E grande parte do custo da nossa dívida bruta que está maior não é para manter programas sociais, despesas correntes do Estado brasileiro.

A maior parte é decorrente da diferença dos juros que recebemos pela aplicação de nossas reservas no exterior (juros americanos abaixo de 1% ao ano) e o que pagamos pelos títulos do governo (14%) que são oferecidos ao mercado para retirar parte do dinheiro que foi colocado em circulação para comprar os dólares das reservas internacionais (isso para evitar processo inflacionário).

Ao contrário do que propagam, a dívida, por sustentar nossas reservas internacionais, é que mantém nossa credibilidade externa.

Outra parte considerável da dívida é, na realidade, expectativa de crédito. É dinheiro que o Tesouro repassou ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para subsidiar empréstimos para o sistema produtivo brasileiro e que será, dentro das regras do sistema, restituído ao Tesouro.

Isso é tão verdadeiro que o governo quer que o BNDES, mesmo não cumprindo disposições da lei, devolva imediatamente ao Tesouro U$ 100 bilhões. Qualquer economia no mundo, principalmente as em desenvolvimento, tem política de subsídio para seu crescimento.

Aliás, o presidente Barack Obama chegou a anunciar sua disposição de criar um Banco de Desenvolvimento para os EUA.

Bertold Brecht, numa citação célebre, diz que “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”.

Assim é com as despesas do governo: culpam-se os investimentos sociais, a previdência, mas absolvem-se os juros escorchantes praticados no país, de longe o maior do mundo.

E antes que venham dizer que os governos do PT praticaram juros altos, recorro novamente aos dados do Banco Central sobre a evolução das taxas desde a década de 90, que mostram as reduções consistentes durante os governos Lula e Dilma.

No governo FHC a taxa média de juros ao ano foi 27,2%. Em Lula, 14,8%. E com Dilma 10,5%. Nunca é demais lembrar que foi na gestão Dilma que chegamos a ter a a menor taxa básica de juros de nossa história: 7,25%. O mercado nunca a perdoou.

É importante registrar, também, que o crescimento de 2,9% da dívida neste último biênio (2014-2015) está dentro da normalidade. É isso que acontece em momentos de retração econômica, como ocorreu nos governos de Lula e do próprio FHC.

Estamos passando atualmente por uma violenta recessão, que atinge a economia mundial. Tivemos forte queda no preço das commodities, que é o que sustenta a nossa balança comercial. A produção agrícola brasileira encolheu 10% no período. Fomos vítimas de uma das secas mais prolongadas e graves de nossa história.

As nossas exportações caíram de 2013, quando eram de US$ 241 bilhões, para US$ 190 bilhões em 2015. Foi um recuo de 21%. É óbvio que isso tem impacto. Agora, não é um problema estrutural. A partir do momento que se recompõe o cenário econômico internacional, é possível mudar tal situação.

Por isso não cansamos de dizer e denunciar que a PEC 55 é o remédio errado para a economia do país. Vai piorar a recessão e jogar o sacrifício e a dor para os mais pobres, os que mais precisam da presença e assistência do Estado.

Pretende-se cortar despesas de assistência, previdência, saúde e educação para pagar juros da dívida, quando o que precisamos urgentemente é ter uma política de redução de juros e, não menos fundamental, de uma política de investimentos públicos capaz de estimular o setor privado a investir.

Paul Krugman, Nobel de Economia, apelidou de “austerianos” aqueles que defendem o combate da recessão recorrendo à austeridade fiscal.

Essa crença, que o economista americano também chama ironicamente de “fada da confiança”, prega que tal austeridade ajudaria a expandir a economia ao trazer de volta o ânimo dos investidores. Isso não aconteceu em nenhum lugar do mundo e não irá acontecer no Brasil.

Alias, era esse argumento fácil que se impunha durante a discussão do impeachment da presidenta Dilma: resgatar o ânimo dos investidores com a recuperação da credibilidade por sua saída da presidência.

Como vemos, a “fada da confiança” falhou. A mágica não aconteceu.

O roteiro desse momento histórico foi ardilosamente escrito e está sendo seguido à risca.

Primeiro, paralisaram as ações do governo Dilma no Congresso com o objetivo de desestabilizar a economia e, dessa forma, aprofundar a crise política, criando assim o clima para o impeachment.

Consumado o golpe, bombardearam as famílias brasileiras e a opinião pública com o mito de que só há salvação se forem adotadas medidas amargas para estancar o endividamento e recolocar o país no “rumo”.

Fazem tudo de forma rápida, açodada, sem tempo para discutir e informar o povo sobre as consequências perversas que isso trará ao país. Mas que importa?

O mercado financeiro garante seus interesses. Afinal, é ele quem manda!

Fonte:carta capital

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